Comentários sobre o filme XXY

Ondina Machado (EBP)

Os casos de intersexo podem nos ensinar muito sobre a transexualidade e o processo de assunção de uma identidade sexual. Esse é o caso do filme XXY que vamos debater neste encontro da Rede de Cinema e Psicanálise da Fapol.

O aspecto ao qual vou me dedicar nessa conversa é a questão das cirurgias precoces para adequação do corpo anatômico ao sexo prevalente. Alex nasce anatomicamente com os dois sexos (XXY do título) e seus pais são orientados a autorizar a cirurgia de adequação – “quanto antes melhor”. Eles não aceitam e resolvem esperar pela decisão de Alex. Não tomar decisão já é tomar uma decisão, nesse caso, um rotundo não à ciência. Claro que isso não se dá sem hesitações. Parece que a mãe de Alex gostaria de ver essa questão resolvida, talvez ela tivesse a esperança de que a cirurgia fosse a solução. Certamente seria para a angústia dos pais, o que é bastante compreensível. Mas, e para Alex?

Dois casos nos quais os pais aceitaram a prescrição médica;

  • Bebê intersexo com predominância das características femininas. É operado e vive como mulher até os 20 anos. Nos relacionamentos afetivos busca mulheres. Uma de suas namoradas faz perguntas sobre as cicatrizes, ela se espanta pois nunca havia reparado bem nelas. Sabia que havia feito uma cirurgia ainda bebê, mas não procurou por detalhes. Dessa vez questionou a mãe e recuperou seu prontuário no hospital onde fora operada. Teve acesso a todas as informações sobre sua anatomia ao nascer, a orientação médica e a cirurgia de adequação/definição. Diante disso, decide que é homem, não importa que não tenha pênis: é homem. Vive o processo de transição social, troca de documentos e faz uma festa para anunciar aos amigos que é homem[1].
  • Aos sete meses foi diagnosticada com “insensibilidade aos andrógenos” e fez uma cirurgia de transição de gênero para o feminino. Anos atrás, procurando por documentos para o mestrado, encontrou um relatório com sua condição genética (cromossoma XY- micro pênis, testículos e saco escrotal) e detalhes da cirurgia feita. “Sempre desconfiei de que havia uma história não contada a meu respeito”. Quantos de nós não tem essa mesma convicção? Afinal somente temos contato com nossos primeiros meses/anos pela narrativa dos mais próximos, muitas vezes eles mesmos interessados em suprimir algumas partes, aumentar outras ou dar conotações que constroem fatos na nossa história. Nesse caso aos 26 anos passou a se identificar como trans homem e passou a militar pela causa dos intersexuais[2].

Os casos mais emblemáticos são os de bebês que fizeram a cirurgia de ablação peniana por se constituir como uma castração. Muitas vezes há prescrição hormonal para a vida toda. Uma estimativa de organizações dedicadas ao assunto dá conta de 130 milhões de pessoas no mundo na condição intersexual.

O que essas cirurgias fazem é impedir que “o ser sexuado se autorize por si mesmo” como nos diz Lacan no Seminário Os nomes-do pai. A frase completa traz mais uma surpresa, pois se por um lado é por si mesmo, por outro lado não é sem os outros.

Repetindo a frase inteira: “O ser sexuado não se autoriza senão por si mesmo e de alguns outros”.

Lacan esclarece que não se trata do grande Outro, mas dos outrinhos. Em pelo menos 2 outros momentos do ensino de Lacan a relação entre o autorizar-se por si mesmo e os outros aparece a tratando de situações diferentes: 1- no texto O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada, 2- na Proposição de 6 de outubro de 1967. Ainda estou trabalhando nisso, mas posso adiantar que entendo que se trata de uma relação lógica. Assim, me parece, que este pequeno outro tem a função de um elemento lógico que entra no cálculo a partir do qual o sujeito deduz seu lugar em um grupo: no primeiro texto como ser sexuado, no segundo para saber qual disco tem nas costas e no terceiro como analista. Não vou me estender nisso, apenas situar que o sujeito não se confunde com o indivíduo, ele é uma dedução e é dessa dedução que ele se nomeia.

Nos casos dos intersexuais apresentados acima, há um golpe no tempo de compreender, ou seja, não é o sujeito que se autoriza, mas o grande Outro da ciência que lhe impõe um nome a partir de exames genéticos, portanto, levando em conta apenas o dado biológico – qual o sexo prevalente tal como a anatomia e os cromossomas designam. Um mestre moderno que coloca a biologia no lugar de agente.

O autorizar-se aqui, equivale a nomear-se. Não é uma atribuição, uma essência ou o cumprir certas exigências. Para Lacan, no caso da sexuação, trata-se de um processo que engloba a busca por um significante no Outro e o consentimento a assumir para si esse significante, reconhecer-se, na medida do possível. O consentimento depende de um trabalho de elaboração subjetiva, inclusive no caso de não consentir.

Assim o autorizar-se, eu proponho, trata da singularidade. É poder se nomear homem, por exemplo, mesmo que o significante universal falo não tenha como significado o órgão. As soluções pela via da identidade de gênero também podem ser construídas por fatores imaginários que complementam ou definem a boa forma da imagem corporal, como em um caso no qual o uso de uma peça do vestuário feminino possibilitou a construção da identidade almejada. Em outro, a troca do nome social lhe permitiu estar no espaço público com a imagem mais condizente com seu íntimo. Outros buscam a cirurgia. A solução identitária não serve para todos, assim como a cirúrgica também não. A cada um a sua solução, o que de certa forma está para todos, pois cada um de nós tem que fazer esse trabalho: consentir com o significante dado pelo Outro ou inventar para si um modo de viver o sexo.

Não podemos desconsiderar a possibilidade de que o momento de nossa cultura franqueie o significante trans como o “novo mal-estar”[3] da época, um fenômeno que, se não é numericamente de massa, sem dúvida vem explodindo a ponto de se falar em uma cultura trans. Esta seria uma das respostas ao desmonte do simbólico em nossa civilização na qual a autoridade antes advinda do Outro é coloca em xeque.

O que vemos no filme XXY demonstra a dificuldade de lidar com esses sujeitos, não só os intersexo como também aqueles que, mesmo não tendo questões genéticas em jogo, relatam o sentimento íntimo de não estarem no corpo anatômico adequado, ou seja, que não consentem com a nomeação que o Outro lhes conferiu.

No filme, os pais de Alex não permitiram a cirurgia, decidiram pelo isolamento da família. Mudaram de país na esperança de uma solução vinda do próprio sujeito. Entende-se o temor que eles viveram, mas ponderamos que as soluções implicam sempre um desafio, uma consequência. O isolamento e a dificuldade em tratar do assunto pela via da palavra pode ter apenas postergado um impasse que estava posto desde o nascimento de Alex, não possibilitando uma construção. A questão estava presente e o tempo da adolescência chegando. A Alex sobrou a nomeação em ato.


[1] Caso recolhido no Núcleo de pesquisa Clínica e política do ato do ICP-RJ.

[2] Jornal O Globo. “Durante 33 anos vivi uma farsa”. Acesso 10/05/2022: https://oglobo.globo.com/saude/medicina/noticia/2022/05/durante-33-anos-vivi-uma-farsa-a-luta-contra-a-cirurgia-precoce-em-criancas-intersexuais-no-brasil.ghtml?utm_source=Instagram&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo

[3] Miller, J.-A. Dócil ao trans. Em: Lacan cotidiano, n. 928, abril de 2021.

“Bichito Raro”

Lorena Greñas – NELcf – Guatemala

La película XXY nos presenta la problemática en torno a la sexuación de Alex. Se trata de un sujeto “intersexual”. Según la Alta Comisión de los Derechos del Hombre de las Naciones Unidas, las personas intersexuales son aquellas que «nacieron con los caracteres sexuales (genitales, gonádicos o cromosómicos) que no corresponden a las típicas definiciones binaria de cuerpos masculinos o femeninos»[1]

Pensemos en la escena donde la madre de Alex conversa con  la pareja amiga en el lugar  dónde quedó embarazada y Dice:

“Todo el tiempo te preguntan cuando estás embarazada: “Es varón o mujer”; en la clínica es lo primero que preguntan, ¿es nena o nene?

Jackie Pigeaud – profesor francés de latín e historia de la medicina- dice: “ intersexual – ni lo uno ni lo otro, y lo uno y lo otro, entre masculino y femenino, o los dos a la vez”.[2]

¿Qué mejor que recordar otra escena, cuando  Alvaro está dibujando algo en  la playa y Alex se acerca y le pregunta: ¿Qué es?

Alvaro: “un bichito raro, no lo toques”.

Alex lo aplasta, “¿Qué sabes vos de las especies de mi casa?”.

Si el bichito es una metáfora de Alex, cabe preguntarse ¿Qué es Alex?

Surge aquí la cuestión de la sexuación. En mi caso, me orientó mucho para pensar la película un artículo de Miquel Bassols que aparece en Lacan Hispano. Se llama: “Fundamentos de la sexuación en Lacan”.

Ahí Bassols recuerda que el término “sexuación” surgió en la lengua francesa a finales del S. XIX para designar “la atribución de género en los seres vivos” y aclara que se trataba de una atribución y no de una propiedad esencial que funda una diferencia”.

Es sólo a partir de significantes definidos por su diferencia y desde el lugar del Otro del lenguaje que se produce la sexuación, sea cual sea.[3]

Así, en las escenas iniciales de la película, vemos a Kraken en el Instituto de Biología Marina, “sexuando” a una tortuga.  “Hembra” — dice —. Además, aparece un libro de su autoría: “Orígenes del sexo” lo que supondría que tiene un saber. Saber que no alcanza en el caso de Alex dado que no es una tortuga (o un pez), Alex es un ser hablante y como Bassols bien señala, si bien “la sexuación es una atribución que proviene del campo del Otro, cuando se trata del ser humano requiere de su consentimiento para ser efectiva”.

Atribución del Otro y Consentimiento del Sujeto son los dos hilos que anudan la operación simbólica de la sexuación – nos dice.[4]

En una escena de la película, Alvaro pregunta a Alex por su identidad : “¿Qué sos?”

Alex responde: “Soy las dos cosas”.

Luego le pregunta  por su orientación: “¿Te gustan los hombres o las mujeres?”.

Alex: “No sé”.

Alex está transitando por la adolescencia, tiene 15 años y lo que a mi gusto muestra la película es ese tránsito incierto  abierto a la dimensión de la “elección” para que se produzca ese consentimiento subjetivo. Elección que no es sin angustia. Recordemos la escena, después del encuentro sexual con Alvaro cuando Alex se queda sollozando ó más adelante su contemplarse desnuda/desnudo ante el espejo; las muñecas fálicas que encontramos en su dormitorio o los dibujos y anotaciones en su diario que dan cuenta de ese recorrido del que no podemos anticipar su salida.

En “Observación sobre el informe de Daniel Lagache”, Lacan dice: “Pero el lugar que el niño ocupa en la estirpe según la convención de las estructuras de parentesco, el nombre de pila que a veces lo identifica ya con su abuelo, los marcos del estado civil y aún lo que denotará su sexo, son cosas éstsas que se preocupan bien poco de lo que él es en sí mismo: ¡que surja pues hermafrodita, a ver qué!”[5](

Recordemos la escena, luego del ataque de los chicos cuando Alex está acostada/o y su padre está sentado mirándola/o. Pregunta: “¿Qué haces?”

Kraken: “Te cuido”

Alex:“No me vas a poder cuidar siempre”

Kraken: “Hasta que puedas elegir”

Alex: “¿Qué?”

Kraken:  “Lo que quieres”

Alex: “¿Y si no hay nada que elegir?”

Tal vez se vislumbra aquí su elección de optar por un destino queer (extraño – poco usual). Recordemos que Alex ha había dicho: “No quiero más operaciones, pastillas y cambios de colegio… quiero que todo siga igual”.

Encontré que las personas de género queer son aquellas cuya identidad de género trasciende la dicotomía hombre/mujer.

La riqueza de la película es que explora lo que el psicoanálisis aporta, que la diferencia de los sexos no es ni cromosómica, ni morfológica, ni social, se trata de modos de goce que Lacan desarrolló con las fórmulas de la sexuación las cuales dan cuenta de “esa relación perturbada con el propio cuerpo que se denomina goce”.  Las fórmulas dan cuenta de la disimetría entre los sexos. “Una disimetría y no la reciprocidad fundamental de un binarismo – hombre / mujer – que solo se mantiene a partir del falo… como el símbolo que desnaturaliza lo masculino y lo femenino al constituirlos en dos significantes que polarizan las identificaciones ideales para cada sujeto”.[6]

A cada ser hablante  correspondará elegir dónde inscribirse como ser sexuado… cada uno bichito raro.


[1] Anserment, F. “Carta a Jacques Alain Miller sobre el contrapunto intersexos y trans”. En Lacan Cotidiano, No 929 del 6 de mayo 2021, “Intersexo y Transexualismo”. Disponible en https://www.wapol.org/es/global/Lacan-Quotidien/LQ-929-BAT.pdf

[2] Ibid

[3] Bassols, M. “Fundamentos de la sexuación en Lacan”. En Lacan Hispano. Olivos:Grama Ediciones 2021. Pags 409 – 415

[4] Ibid

[5] Lacan, J. “Observación sobre el informe de Daniel Lagache” en Escritos II. Siglo XXI, editores, s. a. de c.v. México, 2005 Pag. 633

[6] Bassols, M. “Fundamentos de la sexuación en Lacan”. Op Cit.

Lo que el cine nos da a ver y el psicoanálisis permite alojar

Carlos-Gustavo Motta (EOL)

Esta es una noche especial de presentación de la Red Cine Psicoanálisis de la Federación Americana de Psicoanálisis de Orientación Lacaniana (FAPOL) que conjuntamente con mis colegas Lorena Greñas y Ondina Machado, somos responsables de la Red Cine Psicoanálisis. Un año especial este 2022 porque culmina nuestra gestión como responsables de la misma y que ha permitido con su especificidad abordar temas que se encuentran presentes en el psicoanálisis pero que además permiten alojar un trabajo de colegas que se encuentran en distintas partes del planeta y que suman a la investigación en sí, el espíritu del affectio societatis del que tanto se habla. En definitiva el hacer lazo social y fundamentalmente, sostenerlo.

La película que hoy nos reúne es XXY del año 20007 filmada por Lucía Puenzo. La historia de un adolescente intersexual de quince años quien vive con sus padres que deben enfrentarse a los retos de su condición en el ámbito social no sin los prejuicios habituales.

El bullyng o la broma pesada inflingida por pares, resulta de suma crueldad tanto a niños como a adolescentes. No es que no suceda en el mundo de los adultos, pero suponemos que en esta franja étarea, nos encontramos con mayores estrategias y tácticas en el orden simbólico para encontrar  defensas posible.

Cómo impacta eso en el psiquismo a quien de alguna forma se la maltrata? No es la temática que aborda  XXY el film de Lucía Puenzo a partir del relato de Sergio Bizzio publicado en su libro “Chicos” sin embargo el bullying resulta aquello que mortifica a los protagonistas del film, tanto de los padres que desean a toda costa impedirlo como de ella/él que lo sufre en carne propia.

En  el  cuento Cinismo de  Sergio  Bizzio  se  plantea  una  mirada  dentro  de  la  vida  de  dos jóvenes  que  comienzan  a  experimentar  con  su  sexualidad,  para  definir  una  identidad  y  una orientación sexual que aún es  inexplorada para ambos personajes protagonistas. La historia gira en  torno  a  Rocío,  una  adolescente  de  12  años  que  ha  nacido  con  elementos  de  ambos  órganos sexuales,  y  a  Álvaro,  un  joven  de  15  años  que,  al  conocer  a  Rocío,  parece  experimentar  el descubrimiento  de  su  orientación  sexual.  Es  una  obra  que,  más  que  tratar  de  visibilizar  a  las personas   intersexuales   en   su   situación   emocional   y   social,   circunda   el   deseo   de   ambos adolescentes, un deseo pasional de juventud de primeras experiencias y primeros amores, así como la relación conflictiva que genera esta edad entre padres e hijos.

Mis colegas, Ondina y Lorena, realizan un análisis ejemplar del film pero observamos su compromiso como analistas que provocan una ampliación del saber en función de la praxis analítica, aquella donde los conceptos que fundan al Psicoanálisis se ponen en juego, es decir lo inconciente, la pulsión, la transferencia, la pulsión.

Volvemos pues a la importancia de tener presente esta interrelación Psicoanálisis/Cine así inaugurado (en lo que a mí me concierne) hace 19 años el ciclo que se lleva a cabo en la EOL, el primer ciclo de cine con orientación lacaniana presentado en la institución misma. No es el primer ciclo de cine donde a partir del disparador de un film e invitados representantes de la cultura en general conjuntamente con psicoanalistas pueden referir y debatir sobre lo visto. Lo realizó el Dr. Goldstein por vez primera en los años 60 en la Asociación Psicoanalítica Argentina en un ciclo que llamó Cineanálisis y que aún hoy continúa.

Como el capítulo del Seminario XI “El inconciente freudiano y el nuestro” donde se apunta a lo Real, nuestro ciclo de cine en la EOL nunca se prestó al debate de carácter imaginario sino que acostumbró a tomar una secuencia fílmica para continuar aportando a lo simbólico de un decir, así como lo hizo el propio Jacques Lacan a los largo de sus Escritos y Seminarios. Utilizar las referencias del cine, como lo hizo con la Literatura y con otras ciencias aplicadas para alimentar siempre al Psicoanálisis y para reflejar diversidades que el propio malestar de la cultura refleja no sin tener en cuenta al espectador, que en este caso se ajusta al concepto de “espectador activo” tal como Jacques Ranciere lo piensa.

Así hemos trabajado tanto en nuestras respectivas Escuelas, como en la Red Cine Psicoanálisis de FAPOL y así expreso mi deseo de que pueda continuarse con esta tarea que no resulta una reunión de psicoanalistas que ven cine en una sala sino continuar aportando a esto que Sigmund Freud llamó Psicoanálisis y que Jacques Lacan, a través del axioma indicial que lo inconciente se estructura a modo de lenguaje, potenció una y mil veces.