Meu amigo Ricardo Seldes chamou de “Palavras” a essa breve intervenção que farei hoje. Dizê-las em uma Conversação sobre a liberdade da palavra é um pouco inquietante. Ainda que, por se tratar de me referir muito brevemente à FAPOL, isso transforma a inquietude em entusiasmo e me faz evocar o entusiasmo que tivemos ao redor de uma mesa do café Le Select, em Montparnasse, quando Jacques-Alain desenhou, diante de mim e de Graciela, de maneira inesperada, o mapa onde apareceria a novidade de uma Federação Americana, reunindo de maneira inédita as Escolas da América e alterando o território. Esse entusiasmo foi de imediato acompanhado por Leonardo Gorostiza, então Presidente da AMP.

FAPOL apareceu nesse mapa olhando em direção à EFP, a Euro Federação de Psicanálise, que naquele momento cumpria uma tarefa relevante demonstrando a importância de intervir como Federação diante dos poderes públicos na hora de enfrentar na sede da União Europeia, em Bruxelas, o conflito suscitado sobre a regulamentação das práticas psicoterapêuticas, saindo ativamente no suporte dos colegas.

Esse olhar sobre a EFP devia preservar as diferenças e as assimetrias entre ambas as Federações, quanto a sua incidência sobre as Escolas. Mas seu olhar comum era transformar-se em um instrumento institucional contra os ataques à Psicanálise e para a defesa de nossos princípios, dos princípios da Psicanálise, frente ao Outro social e seus discursos, quando esses afetam, por que não dizê-lo, a liberdade da palavra.

FAPOL reuniria as três Escolas americanas da AMP, e seria a representante da AMP-América. De fato, funcionou como representante desde sua criação no ano de 2012 e durante os dois anos da presidência de Elisa Alvarenga, envolvendo-se naquele momento nos temas comuns às três Escolas, apesar da diversidade de situações surgidas nesse âmbito. Assumiu-se também, naquele momento, a responsabilidade da organização do ENAPOL. Se não me engano, esse foi o VI Enapol, presidido por Ricardo em 2013.

Voltando-se para “fora”, a FAPOL teria a possibilidade e a responsabilidade da interlocução com as instâncias políticas, com os poderes públicos, legisladores, organizações não governamentais, órgãos de opinião, o meio acadêmico e científico. Ao ser pensada como uma Federação e abarcar a América, poderia ter uma capacidade representativa e um peso muito maior que o local diante desses estamentos. Isso demonstrou-se rapidamente quando a FAPOL interveio em dezembro de 2012 na controvérsia com a Sociedade Brasileira de Pediatria a respeito da medicalização das crianças e os diagnósticos e tratamentos da TCC. Era o tom dos conflitos daquele momento e os exemplos a partir de então foram vários.

Além disso, a FAPOL que até esse momento era um significante vazio  – mas, como todo significante vazio teve sua potencialidade política –  iria canalizar de maneira transversal entre as Escolas aquilo que chamamos de “ação lacaniana”. Esses foram seus dois eixos e esse foi seu pontapé inicial.

A realidade efetiva mostra, é claro, depois de 10 anos, as diferenças previsíveis entre os propósitos e as realizações, mas é evidente que os princípios inscritos nesse mapa seguem vigentes.

Observatórios

Com a primeira permutação em 2014, quando assumi a presidência, foram feitas somente duas modificações: criou-se o Bureau que acompanharia o Conselho, formado como é hoje, pelos Presidentes e Diretores das três Escolas, e foram criados cinco Observatórios.

No meu modo de entender, abriu-se outra frente de trabalho transversal com o olhar colocado na “ação lacaniana”. Não concebemos os Observatórios para realizar uma elaboração teórica, esclarecer-nos e falar entre nós, não. Para isso as Escolas, a AMP e o Campo Freudiano têm seus próprios instrumentos, que funcionam muito bem. Nós os concebemos para “observar” e elucidar o estado de um tema na cultura em um momento e em um lugar determinado. Para ponderar as diferenças culturais que atravessam a América, e ter em conta com essa “observação” a heterogeneidade dos contextos nos quais a Psicanálise se aplica e permitir, se for necessário, intervir como Federação. Uma primeira “observação” definiu os temas que nos pareceram relevantes… naquele momento!! Em alguns casos esses temas se demonstraram antecipatórios de problemas que hoje explodiram e não é necessário que os recorde. Creio que sempre é preciso ter em conta que não impomos a agenda política e cultural a partir da Psicanálise. A ideia era simples: os Observatórios aportariam material concreto para apoiar e orientar a ação lacaniana.

Para concluir este ponto, direi que sempre nos orientamos pela definição clara de Miller quando adverte que a dificuldade que temos de falar a língua do Outro não deve nos mimetizar a ela, nem adormecer nosso discurso para fazê-lo politicamente correto. Trata-se de afinar, como se afina a demanda no começo de uma análise, para fazer escutar ainda o que o Outro rechaça. Nisso estamos sempre um pouco em falta.

Lacan 21, GLM e Sede Santiago da NEL

 Nesse período foi criada Lacan XXI. A decisão de colocar esse nome especial surgiu em uma conversa com Miller, na qual destacou-se a intenção de fazer passar o nome de Lacan ao discurso da cultura e da época; a FAPOL teve o privilégio de nomear assim sua primeira publicação.

Um longo trabalho com os colegas de Montevidéu permitiu que a AMP reconhecesse o GLM (Grupo Lacaniano de Montevidéu) como grupo Associado à AMP.

Finalmente quero destacar que o intenso intercâmbio da FAPOL com os diferentes grupos e iniciativas no Chile vinculados ao Campo Freudiano por quase 15 anos, permitiu que dessem o passo necessário para precipitar finalmente na fundação pela NEL da Sede Santiago.

RUA

No anúncio conjunto entre FAPOL e AMP no qual comunicou-se a criação de RUA – ao mesmo tempo era uma convocatória aos colegas na Universidade – dizíamos com Miquel Bassols, na época Presidente da AMP: “No contexto de ação das Escolas da AMP na América, verifica-se a influência cada vez maior da Universidade. Importância que, sem dúvida, será ainda maior no porvir imediato. Por sua vez, as vias culturais dominadas pelo discurso científico são cada vez mais resistentes à transmissão da psicanálise. A Psicanálise não deve ceder lugares com tal relevância, nem aceitar ser excluída desses claustros.”

Que essa rede se chame RUA foi um certo reconhecimento, e uma espécie de chiste entre nós, aos colegas brasileiros responsáveis naquele momento pela advertência em torno do crescimento de uma iniciativa forte, chamada por nós de “nebulosa lacaniana”, para cooptar psicanalistas, professores regulares dentro da universidade, com a desculpa de um projeto editorial. Jaques Alain Miller foi categórico ao impulsionar essa iniciativa que lhe propusemos e que, em princípio, reuniu mais de 50 colegas titulares de cátedras em toda América. Não quero repetir o que todos já sabem, mas destacar que RUA foi criada como um instrumento de intervenção que conteve esse conjunto e abriu possibilidades inéditas. Recordo seu entusiasmo quando lhe disse que se quisesse, poderia propor um tema ou um debate em mais de 50 cátedras de universidades simultaneamente, ou que colegas afetados por obstáculos, quando não por exclusões, tiveram um potente contexto para defender a Psicanálise.

Vou terminar esta intervenção com uma frase de Jacques Alain Miller de 1998 que me orientou no momento que me coube estar na FAPOL, a qual transmito hoje a Ricardo Seldes que assume a Presidência: “[…] trata-se de sustentar os princípios, ainda que sejam os mais radicais, mas ter em conta as realidades em sua aplicação […] a política lacaniana não é irrealista. É radical e ao mesmo tempo realista.”[1]

Tradução: Gustavo Ramos da Silva
Revisão: Paola Salinas


[1] MILLER, Jacques-Alain. Política Lacaniana. 2 ed. Trad. de Liliana Michanie e Patricia Schnaidman. Buenos Aires: Colección Diva, 2017. p. 48.