O curso de extensão «Sexualidades e Gêneros: abordagens para além da patologização», ofertado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, em parceria com a FUNDEP, surgiu como uma proposta de um cartel da Escola Brasileira de Psicanálise, seção Minas Gerais.

O cartel, registrado como «Todo patinho é torto», tem como Mais-Um o Prof.Dr. Jésus Santiago, Analista Membro da Escola e professor do departamento de Psicologia da UFMG, e como integrante, a Prof. Dra. Cristiane de Freitas Cunha, do Departamento de Medicina da UFMG, Analista Membro da Escola, pediatra e coordenadora do programa Janela da Escuta – ambulatório de orientação psicanalítica que atende crianças e adolescentes intersexo e em processo de transgenerificação.

O nome do cartel, «Todo patinho é torto», deriva de uma experiência clínica, posto que no campo do gênero e da sexualidade, todo sujeito se alinha como pode. A proposta de estender a ação do cartel rumo à um curso de extensão, fez com que o cartel se tornasse também uma equipe à qual foi acrescida novos membros.

Dada à diversidade da equipe formada, composta por médicos de diferentes campos: o psiquiatra e Prof.Dr. Alexandre Costa Val (UFOP), Fernando de Siqueira Ribeiro, psiquiatra e Coordernador da Saúde Mental de Belo Horizonte, Karine Ferreira, ginecologista e mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFMG, uma psicóloga e psicanalista, Maíra Moreira, mestre em Estudos Psicanalíticos pela UFMG e especialista em Teoria Queer, e um estudante de psicologia, bolsista voluntário, Vinícius Moreira, interessado em desenvolver pesquisas de interface entre psicanálise e gênero, optou-se por uma abordagem interdisciplinar das sexualidades e dos gêneros, tendo como eixo de orientação a clínica psicanalítica.

Inicialmente, o curso tinha como público-alvo os estudantes de medicina. Dado o caráter tecnicista da formação médica, cujos protocolos deixam de lado o sujeito, e a ausência de disciplinas voltadas para a sexualidade na grade do curso de medicina da UFMG – contrária à diretriz da OMS-, levar o debate sobre sexualidade e gênero para o campus, a partir do que a psicanálise oferece enquanto dispositivo clínico e político, e reacender a relação psicanálise-medicina, foi o que impulsionou a construção do curso «Sexualidades e Gêneros: abordagens para além da patologização».

Ainda assim, a turma que se formou, também tinha o selo da diversidade. Atraídos pelos significantes «sexualidades» e «gêneros», os alunos vieram de diferentes campos do saber: medicina, psicologia, pedagogia, ciências sociais, direito, ciências contábeis e engenharia. Além do que, muitos dos alunos eram também militantes da causa trans e familiarizados com estudos feministas, de gênero e queer. A diversidade que a princípio parecia desafiadora, inclusive pelo caráter agressivo e de denúncia que o discurso militante costuma tomar, deu lugar ao que Lacan se refere àquilo que a diversidade tem de divertido, e que fez dos debates um local de troca produtiva e de circulação da palavra.

Ao longo do curso foram apresentados conceitos fundamentais da psicanálise e como estes operam na clínica contemporânea. Abordou-se também temáticas relacionadas à demanda, às relações transferenciais e à posição do médico e do analista diante de seu paciente. Casos clínicos sobre sujeitos transexuais e intersexuais também foram apresentados em sala, assim como o relato de uma mulher trans sobre a questão do laudo médico e do relatório psicossocial nas cirurgias de redesignação/afirmação sexual. Outro tópico amplamente discutido foi a questão política, as mudanças ocorridas no conceito de gênero e seus efeitos nos movimentos feministas, lgbts e queer, as mudanças contemporâneas nos campos das sexualidades e dos gêneros e os modos que as teorias de gênero compreendem tais alterações e os modos que a psicanálise aborda esses fenômenos.

Segundo o retorno dos alunos, o curso os instigou para continuar avançando em seus estudos em psicanálise ao mesmo tempo em que os ajudou à desmistificar a visão normativa que muitos possuíam da teoria e clínica psicanalíticas. A aposta do curso é que, ainda que a proposta de interdisciplinaridade vise diferentes campos do saber, a psicanálise é muito mais do que um campo do saber, posto que ela desarticula os outros saberes, trazendo algo do real que faz furo e lendo na desordem o não-todo.

Cristiane de Freita Cunha
Membro da EBP-AMP
Integrante do Observatório de gênero, biopolítica e transexualidade da FAPOL